Por Jaqueline Cardoso
Manter um produto farmacêutico na temperatura ideal, da fábrica até o paciente, é um grande desafio. O Brasil impõe barreiras como longas distâncias, infraestrutura precária e climas extremos.
Quem atua com logística ou qualidade de produtos sensíveis sabe: a cadeia fria exige precisão, estratégia e pessoas bem treinadas.
Ainda assim, erros graves continuam acontecendo — afetando a eficácia dos produtos, a segurança dos pacientes, a satisfação dos clientes e a reputação das empresas.
A seguir, compartilho os 5 principais erros que vejo com frequência — e como evitá-los com inteligência, planejamento e foco em soluções.
Subestimar a Complexidade Logística do Brasil
O Brasil é um país de dimensões continentais e enfrenta limitações estruturais sérias: ausência de malha ferroviária eficiente, gargalos nos principais aeroportos e estradas precárias em diversas regiões. Esses fatores aumentam o tempo de trânsito, a exposição a temperaturas extremas e a imprevisibilidade nas rotas de entrega. Além disso, regiões como o Norte e o interior do Nordeste apresentam desafios ainda maiores, com acessos restritos e baixa frequência de transporte.
Como evitar:
- Mapeie rotas críticas e desenvolva planos de contingência regionais.
- Invista em parcerias logísticas com capilaridade e expertise em cadeia fria na região.
- Utilize tecnologias de rastreamento em tempo real para antecipar riscos e atuar com agilidade.
Usar a Mesma Solução de Transporte Térmico para Todo o Brasil
Um erro comum é adotar uma única solução de embalagem ou estratégia logística para atender todas as regiões do país. O Brasil possui climas, distâncias e infraestruturas muito diferentes — o que funciona bem no Sul, por exemplo, pode ser completamente ineficaz na região Norte ou Nordeste.
A variabilidade das rotas, o tempo de trânsito, as condições ambientais e a previsibilidade da entrega exigem abordagens personalizadas. Ignorar isso compromete a performance térmica, aumenta o risco de excursões e gera desperdícios.
Como evitar:
- Segmente suas rotas por região e analise os riscos específicos de cada uma.
- Adote soluções térmicas diferentes conforme o tempo de trânsito e a previsibilidade logística.
- Monitore a performance por região para ajustes constantes — a customização é a chave para a eficácia e a sustentabilidade do processo.
Negligenciar o Monitoramento Térmico – e Ignorar o Impacto do Custo
A maioria das empresas ainda utiliza registradores de temperatura que só são consultados ao fim do transporte — o que significa que, quando uma excursão térmica é detectada, o produto já pode estar comprometido. Ao mesmo tempo, o uso de dispositivos com monitoramento em tempo real ainda representa um custo elevado, especialmente em operações de grande volume.
Como evitar:
- Adote uma matriz de risco que leve em conta o tipo de produto, a criticidade da rota e o valor agregado.
- Use monitoramento em tempo real de forma estratégica, nas rotas com maior impacto potencial.
- Otimize os custos com soluções inteligentes, sem abrir mão da segurança, complementando com histórico térmico e qualificação de rotas.
Subestimar o Fator Humano
Tecnologia e embalagem não funcionam sozinhas. Um manuseio inadequado — como deixar uma caixa térmica exposta ao sol, armazenar em geladeiras impróprias ou abrir a embalagem antes do tempo — pode comprometer tudo. Muitas dessas falhas ocorrem porque quem está na ponta da operação não tem o conhecimento necessário.
Como evitar:
- Capacite toda a cadeia envolvida, da expedição ao ponto de venda, com treinamentos práticos e linguagem acessível.”Quando bem orientado, o fator humano se torna um aliado da qualidade — e não um ponto cego da operação”.
Tratar a Cadeia Fria como um Processo Operacional – e Não Estratégico (Com Impacto Direto no Custo Final)
Um dos maiores erros é tratar a cadeia fria como uma simples atividade operacional. Na prática, ela impacta diretamente a qualidade do produto, o risco regulatório e, principalmente, o custo logístico total da empresa.
As embalagens térmicas de qualidade têm alto valor agregado e, muitas vezes, cubagem elevada — ocupam espaço precioso no transporte e aumentam o custo por metro cúbico embarcado. Em operações com produtos sensíveis e de alto valor, como no setor farmacêutico, cada centímetro e cada grau de eficiência importam.
Como evitar:
- Padronize processos com base em dados e implemente indicadores específicos para cadeia fria.
- Crie uma governança estratégica com foco em eficiência e sustentabilidade.
- Invista em ações preventivas, análises de causa raiz e cultura de melhoria contínua.
- Envolva as áreas de Qualidade, Supply Chain, Logística e Regulatória na tomada de decisão para garantir uma abordagem integrada e eficaz.
Uma reflexão
Manter a integridade térmica dos produtos farmacêuticos no Brasil exige muito mais do que boas intenções. É necessário compreender as particularidades do território, adaptar estratégias, investir em tecnologia, capacitar pessoas e cultivar uma cultura genuína de qualidade.
Empresas que dominam a cadeia fria se destacam no mercado — não apenas por evitar perdas e reduzir custos, mas por entregar confiança. A rastreabilidade, a previsibilidade e a segurança tornam-se valores percebidos e reconhecidos pelos clientes. E mais: um controle eficaz da cadeia fria contribui diretamente para o aumento da satisfação, da fidelização e da reputação em mercados altamente regulados e sensíveis como o da saúde.
Quem ignora esses fatores, corre riscos desnecessários. Já quem encara esses desafios de forma estratégica transforma a logística em vantagem competitiva e eleva a experiência do cliente a um novo patamar.
Se você chegou até aqui, eu espero que esse conteúdo seja útil, gere muitos insights e promova bons momentos de networking!
Bio
Sou Jaqueline Cardoso, farmacêutica com mais de 15 anos de experiência na logística de produtos farmacêuticos. Atuei em grandes empresas nacionais e multinacionais e um dos maiores desafios da minha trajetória é, sem dúvida, a gestão da cadeia fria — uma missão complexa que exige precisão, responsabilidade e constante atualização.